YAKUZA
"COMO UM DRAGÃO"


Texto da autoria de Dieubussy
COReplay - 28 / 05 / 07

 

Quando RYU GA GOTOKU foi anunciado um pensamento comum invadiu as mentes dos mais atentos seguidores de videojogos: a SEGA teria voltado a investir numa sequela de SHENMUE. Não que as notícias o especificassem ou que o projecto alguma vez tivesse alguma relação maior com a obra-prima de Yu Suzuki. No entanto, a vontade de alguns voltarem a colocar as mãos num novo título desta série iludiu parte da população dos videojogos por algum tempo. Posteriormente seguiram-se as primeiras imagens mostrando uma Tóquio nocturna iluminada pelos brilhantes neons, altamente movimentada e, algures pelo meio, um personagem central desconhecido. O título ocidental, bem mais prosaico que o original, foi revelado pouco depois: YAKUZA, o novo projecto multi-milionário da SEGA, cujos fundos derivaram da fusão com a Sammy e reestruturação de alguns dos seus mais famosos estúdios de desenvolvimento.

É possível que as primeiras horas desmotivem o jogador casual devido à incomum a quantidade de diálogos e cutscenes introdutórios. YAKUZA é um dos jogos mais story-driven dos últimos anos. Toda a narrativa se revela interessante e coerente: o nosso personagem, Kazuma, desenrola um papel cada vez mais importante no submundo do crime: a sua reputação como novo "dragão" da família Dojima - uma das mais conceituadas dentro desta hierarquia de criminosos - começa a ser conhecida e, invariavelmente, invejada por parte dos seus familiares, inclusivamente aquele que ousou chamar seu próprio irmão por afinidade, Nishiki. Tudo começa numa noite perfeitamente normal e rotineira na sua vida. Primeiramente devemos ir extorquir dinheiro a um crápula empresarial que teria lucrado com negócios ilícitos, episódio que serve como introdução ao sistema de jogo e sistema de combate. Horas mais tarde, o bar do costume parece já estar à espera da nossa presença e daquela do nosso "dito" irmão: celebra-se numa festa muito privada a promessa da ascensão de Kazuma a um novo estatuto, sonho que também era partilhado por Nishiki. Yumi, amiga e paixão de ambos, também está presente. Completa-se assim o triângulo amoroso. Bebem-se uns copos, dão-se umas risadas e, com a alegria da bebida, surge a sinceridade áspera de Nishiki.

Mas Sohei Dojima, o mais alto e respeitado membro desta família, também parece estar de olho em Yumi, forçando-a a ir até ao seu escritório nessa mesma noite. Nishiki parte atrás de Yumi para a salvar, acabando por assassinar Dohei. Talvez por compreender a necessidade de preservar Yumi, de a salvar, ou por sentir pena de Nishiki, Kazuma decide assumir ele mesmo a culpa deste assassinato, pelo qual é condenado a 10 anos de prisão.

O jogo, propriamente dito, começa depois de Kazuma sair da prisão e voltar ao seu meio social antigo, para encontrar um mundo completamente diferente daquele que tinha conhecido antes de ser detido. Mantêm-se as multidões, as luzes e as mesmas ruas de sempre. Porém, toda a organização criminal se modificou, assim como os próprios amigos de Kazuma, ainda que alguns se mantenham igualmente fiéis. E os amigos vão ser extremamente valiosos para ajudar a nossa personagem numa altura em que toda a família Dojima e associados estão no nosso encalço - todos pretendem exercer uma justiça rancorosa pela morte de Sohei.

Seria impossível falar do jogo sem fazer menção às linhas que estabelecem a história, o elemento de longe mais importante neste jogo. Toda ela é de uma profundidade raramente vista em videojogos, mesmo aqueles que normalmente se vangloriam de ter histórias elaboradas. Contudo tal facto não surpreende quando sabemos que o argumento do jogo foi escrito por Hase Seishu, um dos mais conceituados romancistas japoneses cujas obras já foram muitas vezes adaptadas ao cinema. Outro aspecto que não pode passar despercebido é a profunda preocupação por criar personagens carismáticas, distintas e com uma forte personalidade, mas dentro dos parâmetros do realismo, isto é, sem recorrer a características visuais exageradas ou demasiados adereços. Existe, inclusivamente, um menu de consulta para que conheçamos toda a intricada hierarquia dos membros das diversas famílias desta organização, bem útil por sinal.

Ciente de que alguns velhos jogadores, sobretudo no mercado japonês, começavam a abandonar o hábito de jogar videojogos por acharem que as produções actuais não acompanharam a sua evolução, Toshihiro Nagoshi, o criador, apontou para uma personagem mais madura, algo incomum no panorama dos videojogos actuais, mas que se adequa na perfeição ao lema por detrás desta produção: mostrar que os videojogos nem sempre se constroem nos mesmos temas estandardizados e reincidentes que parecem preencher a grande parte do mercado contemporâneo.

A acção de YAKUZA localiza-se em Kamurocho, uma maqueta virtual do distrito de Kabukicho, na realidade conhecido pelos maus vícios, casas de alterne, jogo e criminalidade - o tipo de local onde a Nintendo eventualmente teria tido os seus famosos hotéis de amor entre 63 e 68. Apesar de ter optado por um nome falso, a recriação deste distrito da cidade de Tóquio é composta de alguns detalhes típicos deste lugar: desde a afamada loja Don Quixote até ao arco iluminado que dá cor a entrada sul deste bairro. As ruas estão povoadas com grandes multidões que se deslocam por entre si, alguns meros peões, outros peças determinantes para a progressão e sucesso da nossa aventura. Porque é isso que este jogo é, uma aventura com um grande fundo narrativo que sabe a um RPG na parte de exploração e que revive o género moribundo dos beat'em'up, em toda a sua brutalidade, algo que já não víamos num jogo SEGA desde os tempos do (imortal) STREETS OF RAGE. Qualquer objecto na rua serve para agredir o próximo inimigo e é curioso observar que cada um possui um nível de resistência próprio, o que pode resultar no inevitável prazer de partir uma bicicleta ou um sinal de trânsito contra a cabeça de um oponente mais provocante. Nestes instantes sentimos que nos foi devolvida toda a década de 90.


Por entre uma trama de devassidões, crimes e traição, também se encontram fragmentos de moralidade: Kazuma é personagem determinado, um símbolo de honra, respeito e altruísmo mais facilmente associado a um guerreiro medieval japonês do que a um membro da máfia; o seu mentor, Shintaru Fuma, é um homem calmo, ponderado e honesto que lida na sua velhice com os pecados do seu passado como assassino profissional; Shinji, o seu mais fiel seguidor e amigo, é um exemplar companheiro; e finalmente Haruka, uma jovem órfã cuja inocência e pureza contrastam com o mundo onde cresceu e vive. As partes de interacção entre Kazuma e Haruka são um pico desta experiência - Kazuma protege esta criança com a sua vida e Haruka concede ao nosso personagem a motivação para atingir os seus objectivos.


Para além da história principal, o jogo faz-se de histórias paralelas que servem para aumentar a nossa experiência e o tempo de jogo. Algumas destas side-quests estão interligadas e cabe-nos a nós estabelecer o elo entre personagens-chave espalhadas por todo o distrito. Por vezes chegamos até a compreender melhor alguns personagens da história principal, as suas motivações, através destes sub-plots tão genialmente implantados por entre o tronco narrativo do jogo. As possibilidades são imensas: muitos dos locais da cidade vão-se abrindo com o nosso progresso, desde lojas de penhores, cafés, bares, clubes de acompanhantes, casas de jogo, massagens e um muito amigável Clube SEGA.


Ainda que se tratem de jogos completamente distintos, YAKUZA acaba por se inspirar muito em
SHENMUE na forma como tenta recriar, através de um motor gráfico compreensivelmente mais pobre, um espaço urbano amplo, povoado e com um elevado número de espaços interiores. A parte de luta é bastante mais simples e tem um menor número de técnicas para desenvolver do que no título de Suzuki, cuja dimensão chegava a ser assustadora - muito semelhante a VIRTUA FIGHTER. Mas mais uma vez podemos depender das interacções com as personagens para aprender novas técnicas de combate, algumas delas essenciais nas lutas aleatórias que vão surgindo enquanto percorremos a cidade. E mais uma vez nos encontraremos em situações de agravada inferioridade numérica, nada que o imenso potencial do nosso personagem não permita ultrapassar.


Se for devidamente explorada, esta grande produção salienta as grandes singularidades e empenho dos seus criadores - qualidades que não raramente se encontram nos mais ínfimos pormenores, aqueles que só os mais atentos ousarão conhecer. Se entramos num bar e pedimos uma bebida logo se segue uma curta mas elucidativa descrição da bebida em questão, qual a sua marca e a sua fama - deleitoso pormenor que talvez derive do elevado interesse de Nagoshi pelas bebidas brancas. Ou o episódio no qual Kazuma vai retocar a imagem de um dragão tatuada nas suas costas, ocasião que serve para aclarar toda a simbologia, segundo a interpretação cultural japonesa, por detrás deste mito.

Estamos perante uma excelente recriação do mundo do crime sino-japonês e das suas máfias e tríades, assim como uma belíssima intriga cuja conclusão não pode deixar de surpreender. Alguns dos seus momentos de maior impacto narrativo e emocional persistirão, certamente, na nossa memória, pelo menos até a experiência ser concluída na sua sequela, já lançada no Japão e sem previsão de chegada à Europa. É uma visão diferente e muito mais profunda de um tema que muitos jogos têm vindo a recriar ultimamente. RYU GA GOTOKU (que em japonês significa "como um Dragão") foca-se no drama humano e alguns temas da sociedade actual japonesa, não apenas na violência e marginalismo. E nesse aspecto Nagoshi revelou-se o perfeito discípulo e percursor dos ideais desse grande génio (ignoto) chamado Yu Suzuki.

 

 

Raramente vemos uma rua virtual tão densamente povoada.

Todo um regresso ao bom velho estilo "beat'em'up" tão célebre no iníco dos anos noventa.

Entrar num pequeno mercado, folhear uma revista e comprar diversos itens é um dos prazeres que Yakuza oferece.

Toshiro Nagoshi, game designer de Yakuza, pertencia à divisão AM4 (Amusement Vision, LTD.), um dos maiores pólos criativos da SEGA. Alguns dos seus títulos mais emblemáticos são Daytona USA, Virtua Striker e o mais recente Super Monkey Ball.

Em 2003 Nagoshi participou na colaboração entre SEGA e Nintendo, ao lado de Shigeru Miyamoto e outros nomes da companhia de Tóquio, na feitura do jogo F-Zero GX para a Gamecube.

Existe um tímido movimento de reafirmação SEGA neste jogo, desde a inclusão de um clube SEGA como espaço onde podemos interagir no jogo até à própria criação de uma sequência introdutória de exaltação das qualidades da companhia nipónica. (O slogan: What do you want? Dream? Excitement? Technology? And Love? I give it. I am SEGA.)

 

 

 

 
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