O que é, afinal, o
retro gaming? Como o próprio nome indica, trata-se de
um movimento de jogadores que procuram entrar (ou reentrar) em contacto
com jogos de gerações passadas. Mas será este
movimento tão diferente da forma casual de jogar?
Para os hardcore gamers
é cada vez mais difícil encontrar verdadeiros desafios
nos videojogos actuais. Após o episódio PSX, quando
o público dos jogos de vídeo se diversificou, começaram
a proliferar-se os jogos mais simples e acessíveis, pensados
para os jogadores novatos e casuais. Consolas como a Dreamcast ou
Gamecube destacaram-se pelo seu catálogo de títulos
mais direccionado para os jogadores veteranos. Estima-se que tenha
sido devido à falta de títulos dedicados aos hardcore
gamers que estes se viraram para os jogos de ontem, mais puros
e plenos de desafio.
Desde as consolas de 8-Bit
que existem títulos que se compõe de clássicos,
reformulados ou preservados na sua originalidade. Trata-se de uma
forma de preservar determinados jogos na memória dos jogadores.
Essas iniciativas, que acabam por ser na verdade boas fontes de rendimentos,
têm-se intensificado das consolas 32-Bit para a frente.
Concomitantemente, outro fenómeno
mais imprevisível surgiu na segunda metade dos anos 90 que
viria a aumentar a sede dos jogadores pela descoberta ou reencontro
com os clássicos de outro tempo. Os emuladores são aplicações
que, apenas e só por via do software, transformam qualquer
PC numa outra máquina específica, neste caso uma consola.
Este advento da emulação foi extremamente importante
na forma como libertou gigabytes de informação até
agora confinada a cartuchos e outros formatos de armazenamento de
dados. Bastava fazer uma imagem ROM de cada jogo e abrir esse ficheiro
com o programa dedicado. O incremento da velocidade de transferência
de dados através da internet, assim como a facilidade de aquisição
de gravadores de CD em muito ajudaram a expansão e divulgação
destes jogos. Um único CD pode comportar uma colecção
completa ou selecção de jogos do catálogo de
uma consola.
A emulação engloba,
hoje em dia, quase todos os formatos, inclusivamente aqueles de consolas
que corriam jogos em CD. Os programas estão cada vez mais afinados
e o processo de recriação dos jogos no monitor do computador
está tão próxima da experiência original
que poucos notarão a diferença. Mais importante do que
a qualidade é o preço: estes ROMs são absolutamente
gratuitos e livres na forma como passam de computador em computador.
Com o tempo, até as consolas passaram a ser hospedeiras de
aplicações semelhantes: jogar MEGAMAN
numa Dreamcast, METROID numa PSP ou SONIC
THE HEDGEHOG numa Wii passaram a ser experiências comuns
dos dias que correm.
Outro fenómeno alimentado
pela facilidade de acesso e transmissão de dados pela internet
foi o do abandonware. Se as consolas e arcades têm sido abrigo
para milhares de jogos ao longo dos anos, o computador também
armazenou um impressionante cadastro que hoje se encontra quase inteiramente
recuperado. Apesar das actualizações,
algumas versões mais modernas do Windows continuaram a possuir
modo MS-DOS, plataforma que albergou milhares de jogos.
Mais recentemente, o MS-DOS
foi dado como obsoleto. Isto originou uma adaptação
que aproximou o dito abandonware da emulação: agora
os jogos correm num programa que emula o MS-DOS. Ainda assim, a plataforma de origem continua a ser a mesma, daí fazer-se a distinção entre jogos de PC antigos e jogos de consolas ou computadores extintos.
Independentemente das questões
técnicas, a verdadeira importância por detrás
de toda esta questão é a popularidade que os velhos
jogos ganharam hoje: é interessante verificar como alguns clássicos
eternos continuam populares e como outros jogos menos divulgados da
época ganharam nos dias de hoje um alto estatuto. Os jogadores
ocidentais têm sido prejudicados ao longo dos tempos pela exclusividade
territorial de alguns jogos japoneses e norte-americanos. Alguns têm recorrido
à importação, processo que por vezes é
perigoso e implica custos acrescidos. Mas mesmo os jogos importados
continuavam a ser vítimas da barreira cultural imposta entre
países e mercados: com a emulação e a abertura
do código-fonte da informação contida nos cartuchos,
placas e discos magnéticos, foi possível a alguns fãs
a tradução de jogos até então completamente
indecifráveis para quem não era fluente em japonês.
Por essa razão é possível dizer que mesmo o mais
purista dos coleccionadores provou o sabor aos mundo
dos emuladores e das imagens ROM.
Por entre tanta divulgação,
facilidade de acesso e abundância surgiu o conceito reforçado
dos jogadores que se divertiam genuinamente a explorar jogos da década
e 70, 80 ou mesmo 90.
Um jogador apaixonado, um
admirador deste meio, apreciará tão depressa uma partida
da mais fresca novidade como uma sessão de SPACE INVADERS.
Não há limites temporais. É verdade que nem todos
éramos nascidos em 78 quando a Taito lançou o jogo,
e o prazer de testemunhar o fenómeno invaderu é
algo restrito a essa geração. A seu tempo, cada geração
descobre os seus jogos, e a infância video-lúdica de
cada um é, indiscutivelmente, uma época determinante
no desenvolvimento dos gostos de cada um. Os grandes amantes da arte
dos videojogos apaixonaram-se justamente na época onde cada
divertimento é vivido com mais intensidade. Todavia isso não
pode ser levado como uma regra que proíba que futuras gerações
contactem com a cultura video-lúdica de um tempo que não
presenciaram.
No fundo, o retro gaming
não é um conceito reprovável. A comunidade de
jogadores, sobretudo a de utilizadores PC, desenvolveu uma tendência
que, afinal, demonstra que os videojogos como produto não são
tão diferentes de outros objectos de moda. A busca pela última
novidade tornou-se um pretexto para que o possuidor do produto mais
recente se tornasse o elemento superior no seu meio social. Quantas
vezes não fomos nós, jogadores e amantes da electrónica,
vítimas mais ou menos indiferentes da proclamada superioridade
dos nossos colegas de escola que conseguiram obter o último
jogo, a última consola, o último upgrade para o seu
PC? É um modelo facilmente aplicável a qualquer tempo
da história e em relação a qualquer outro contexto. O denominador-comum é precisamente o objecto,
a novidade e o reforço de estatuto que o seu possuidor obtém.
Alguns jogadores vivem obcecados
pela última novidade. Curiosamente, o ciclo tem-se apertado
de tal forma que nem chega a haver tempo suficiente para aproveitar
cada jogo. A novidade de ontem passa a ser o produto descartado, inútil
em comparação ao de hoje. Ao longo dos anos, muitos títulos não tiveram a atenção que mereceram e só hoje começam a ser devidamente valorizados.
O retro gaming promove
não só o simples acto de jogar os mesmos jogos que marcaram
a infância ou adolescência de cada um como a abertura
a títulos nunca antes jogados. Não há critério
para a selecção de jogos, apenas o objectivo de conhecer
o passado e de obter prazer. Não obstante das evoluções
técnicas, os jogos do passado mantém o seu charme -
talvez porque esta indústria se tenha expandido tão
rapidamente. Existe uma sedução inabalável na
experiência elementar dos videojogos primitivos, desprovidos
de conteúdos extraordinários, onde tudo se cinge à
experiência simbólica de jogo e à simplicidade
dos controlos, gráficos e sons.
Para responder à crescente
onda de revivalismo, a Atari editou uma linha de consolas com arquitectura
semelhante à da sua VCS e com alguns jogos inseridos na sua
memória interna - baptizadas Atari Flashback. Este exemplo foi seguido pela NAMCO e inclusivamente
pela SEGA, através da abertura de um novo mercado para versões
miniaturizadas de velho hardware. A experiência torna-se mais
genuína e, em boa verdade, mais oficial.
Mas a paixão pelos
jogos vintage nem sempre tem sido saudável. Alguns jogadores
extinguiram por completo o seu interesse pelas novidades e, numa manifestação
extremista, dedicaram-se no absoluto à recuperação
dos clássicos, alegando serem verdadeiros retro gamers.
Se existe uma razão plausível e justificável
para regressar aos clássicos é a de conhecer melhor
o percurso da indústria até aos nossos dias. Os videojogos
são, essencialmente, um produto derivado do refinamento de
tecnologias; o olhar posto no futuro é a forma de atingir novas metas e novos resultados.
A criação de
todo um microcosmos em redor dos jogos clássicos é a
prova de que a sociedade de jogadores é composta dos mesmos
comportamentos da sociedade em geral: a criação de grupos
específicos nasce de forma a que um número de indivíduos
se destaque da maioria. Trata-se de um sinal dos tempos actuais. Tal
acontece com a música e com os chamados estilos alternativos,
por exemplo. Sendo os videojogos o objecto de consumo comum para a
sociedade, é natural que alguns jogadores se queiram distinguir
dos restantes. O surgimento do termo retro gaming mais não
é do que uma forma de enfatizar este destaque. O verdadeiro
jogador não se guia por rótulos, nem compreende géneros,
marcas ou datas de produção. No fundo o que interessa
são as qualidades intrínsecas de cada título,
subjectivas ou objectivas.