Retro Gaming
Uma questão de estatuto



CoreVision - 22 / 08 / 07

 

O que é, afinal, o retro gaming? Como o próprio nome indica, trata-se de um movimento de jogadores que procuram entrar (ou reentrar) em contacto com jogos de gerações passadas. Mas será este movimento tão diferente da forma casual de jogar?

Para os hardcore gamers é cada vez mais difícil encontrar verdadeiros desafios nos videojogos actuais. Após o episódio PSX, quando o público dos jogos de vídeo se diversificou, começaram a proliferar-se os jogos mais simples e acessíveis, pensados para os jogadores novatos e casuais. Consolas como a Dreamcast ou Gamecube destacaram-se pelo seu catálogo de títulos mais direccionado para os jogadores veteranos. Estima-se que tenha sido devido à falta de títulos dedicados aos hardcore gamers que estes se viraram para os jogos de ontem, mais puros e plenos de desafio.

Desde as consolas de 8-Bit que existem títulos que se compõe de clássicos, reformulados ou preservados na sua originalidade. Trata-se de uma forma de preservar determinados jogos na memória dos jogadores. Essas iniciativas, que acabam por ser na verdade boas fontes de rendimentos, têm-se intensificado das consolas 32-Bit para a frente.

Concomitantemente, outro fenómeno mais imprevisível surgiu na segunda metade dos anos 90 que viria a aumentar a sede dos jogadores pela descoberta ou reencontro com os clássicos de outro tempo. Os emuladores são aplicações que, apenas e só por via do software, transformam qualquer PC numa outra máquina específica, neste caso uma consola. Este advento da emulação foi extremamente importante na forma como libertou gigabytes de informação até agora confinada a cartuchos e outros formatos de armazenamento de dados. Bastava fazer uma imagem ROM de cada jogo e abrir esse ficheiro com o programa dedicado. O incremento da velocidade de transferência de dados através da internet, assim como a facilidade de aquisição de gravadores de CD em muito ajudaram a expansão e divulgação destes jogos. Um único CD pode comportar uma colecção completa ou selecção de jogos do catálogo de uma consola.

A emulação engloba, hoje em dia, quase todos os formatos, inclusivamente aqueles de consolas que corriam jogos em CD. Os programas estão cada vez mais afinados e o processo de recriação dos jogos no monitor do computador está tão próxima da experiência original que poucos notarão a diferença. Mais importante do que a qualidade é o preço: estes ROMs são absolutamente gratuitos e livres na forma como passam de computador em computador. Com o tempo, até as consolas passaram a ser hospedeiras de aplicações semelhantes: jogar MEGAMAN numa Dreamcast, METROID numa PSP ou SONIC THE HEDGEHOG numa Wii passaram a ser experiências comuns dos dias que correm.

Outro fenómeno alimentado pela facilidade de acesso e transmissão de dados pela internet foi o do abandonware. Se as consolas e arcades têm sido abrigo para milhares de jogos ao longo dos anos, o computador também armazenou um impressionante cadastro que hoje se encontra quase inteiramente recuperado. Apesar das actualizações, algumas versões mais modernas do Windows continuaram a possuir modo MS-DOS, plataforma que albergou milhares de jogos.

Mais recentemente, o MS-DOS foi dado como obsoleto. Isto originou uma adaptação que aproximou o dito abandonware da emulação: agora os jogos correm num programa que emula o MS-DOS. Ainda assim, a plataforma de origem continua a ser a mesma, daí fazer-se a distinção entre jogos de PC antigos e jogos de consolas ou computadores extintos.

Independentemente das questões técnicas, a verdadeira importância por detrás de toda esta questão é a popularidade que os velhos jogos ganharam hoje: é interessante verificar como alguns clássicos eternos continuam populares e como outros jogos menos divulgados da época ganharam nos dias de hoje um alto estatuto. Os jogadores ocidentais têm sido prejudicados ao longo dos tempos pela exclusividade territorial de alguns jogos japoneses e norte-americanos. Alguns têm recorrido à importação, processo que por vezes é perigoso e implica custos acrescidos. Mas mesmo os jogos importados continuavam a ser vítimas da barreira cultural imposta entre países e mercados: com a emulação e a abertura do código-fonte da informação contida nos cartuchos, placas e discos magnéticos, foi possível a alguns fãs a tradução de jogos até então completamente indecifráveis para quem não era fluente em japonês. Por essa razão é possível dizer que mesmo o mais purista dos coleccionadores provou o sabor aos mundo dos emuladores e das imagens ROM.

Por entre tanta divulgação, facilidade de acesso e abundância surgiu o conceito reforçado dos jogadores que se divertiam genuinamente a explorar jogos da década e 70, 80 ou mesmo 90.

Um jogador apaixonado, um admirador deste meio, apreciará tão depressa uma partida da mais fresca novidade como uma sessão de SPACE INVADERS. Não há limites temporais. É verdade que nem todos éramos nascidos em 78 quando a Taito lançou o jogo, e o prazer de testemunhar o fenómeno invaderu é algo restrito a essa geração. A seu tempo, cada geração descobre os seus jogos, e a infância video-lúdica de cada um é, indiscutivelmente, uma época determinante no desenvolvimento dos gostos de cada um. Os grandes amantes da arte dos videojogos apaixonaram-se justamente na época onde cada divertimento é vivido com mais intensidade. Todavia isso não pode ser levado como uma regra que proíba que futuras gerações contactem com a cultura video-lúdica de um tempo que não presenciaram.

No fundo, o retro gaming não é um conceito reprovável. A comunidade de jogadores, sobretudo a de utilizadores PC, desenvolveu uma tendência que, afinal, demonstra que os videojogos como produto não são tão diferentes de outros objectos de moda. A busca pela última novidade tornou-se um pretexto para que o possuidor do produto mais recente se tornasse o elemento superior no seu meio social. Quantas vezes não fomos nós, jogadores e amantes da electrónica, vítimas mais ou menos indiferentes da proclamada superioridade dos nossos colegas de escola que conseguiram obter o último jogo, a última consola, o último upgrade para o seu PC? É um modelo facilmente aplicável a qualquer tempo da história e em relação a qualquer outro contexto. O denominador-comum é precisamente o objecto, a novidade e o reforço de estatuto que o seu possuidor obtém.

Alguns jogadores vivem obcecados pela última novidade. Curiosamente, o ciclo tem-se apertado de tal forma que nem chega a haver tempo suficiente para aproveitar cada jogo. A novidade de ontem passa a ser o produto descartado, inútil em comparação ao de hoje. Ao longo dos anos, muitos títulos não tiveram a atenção que mereceram e só hoje começam a ser devidamente valorizados.

O retro gaming promove não só o simples acto de jogar os mesmos jogos que marcaram a infância ou adolescência de cada um como a abertura a títulos nunca antes jogados. Não há critério para a selecção de jogos, apenas o objectivo de conhecer o passado e de obter prazer. Não obstante das evoluções técnicas, os jogos do passado mantém o seu charme - talvez porque esta indústria se tenha expandido tão rapidamente. Existe uma sedução inabalável na experiência elementar dos videojogos primitivos, desprovidos de conteúdos extraordinários, onde tudo se cinge à experiência simbólica de jogo e à simplicidade dos controlos, gráficos e sons.

Para responder à crescente onda de revivalismo, a Atari editou uma linha de consolas com arquitectura semelhante à da sua VCS e com alguns jogos inseridos na sua memória interna - baptizadas Atari Flashback. Este exemplo foi seguido pela NAMCO e inclusivamente pela SEGA, através da abertura de um novo mercado para versões miniaturizadas de velho hardware. A experiência torna-se mais genuína e, em boa verdade, mais oficial.

Mas a paixão pelos jogos vintage nem sempre tem sido saudável. Alguns jogadores extinguiram por completo o seu interesse pelas novidades e, numa manifestação extremista, dedicaram-se no absoluto à recuperação dos clássicos, alegando serem verdadeiros retro gamers. Se existe uma razão plausível e justificável para regressar aos clássicos é a de conhecer melhor o percurso da indústria até aos nossos dias. Os videojogos são, essencialmente, um produto derivado do refinamento de tecnologias; o olhar posto no futuro é a forma de atingir novas metas e novos resultados.

A criação de todo um microcosmos em redor dos jogos clássicos é a prova de que a sociedade de jogadores é composta dos mesmos comportamentos da sociedade em geral: a criação de grupos específicos nasce de forma a que um número de indivíduos se destaque da maioria. Trata-se de um sinal dos tempos actuais. Tal acontece com a música e com os chamados estilos alternativos, por exemplo. Sendo os videojogos o objecto de consumo comum para a sociedade, é natural que alguns jogadores se queiram distinguir dos restantes. O surgimento do termo retro gaming mais não é do que uma forma de enfatizar este destaque. O verdadeiro jogador não se guia por rótulos, nem compreende géneros, marcas ou datas de produção. No fundo o que interessa são as qualidades intrínsecas de cada título, subjectivas ou objectivas.

 


 
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