THE NIGHT JOURNEY
ENTREVISTA COM TRACY FULLERTON
(USC INTERACTIVE
MEDIA DIVISION )



COREgaming - 31 / 10 / 07

 

Tracy Fullerton, game designer e professora da USC, está neste momento a trabalhar num novo projecto chamado THE NIGHT JOURNEY. Como que uma viagem espiritual do ser, o nosso corpo e mente são elevados para um sereno mundo de meditação. O projecto começou na mente de Bill Viola, um nome bem conhecido dentro do mundo do vídeo artístico. O poder estético visto nos seus filmes, de onde emanam poderosas formas, cores e texturas, também parece estar presente nesta sua primeira incursão em trabalhos relacionados com os jogos de vídeo.


A julgar pelo que pode ser visto na apresentação, estamos a testemunhar o início de uma percepção completamente nova do que um videojogo pode ser. Distanciando-se do produto banal, THE NIGHT JOURNEY propõe-se a explorar os domínios da consciência humana e a sua espiritualidade. O avassalador sentimento de presença num mundo à parte é despoletado pela natureza transcendental dos espaços obscuros e abertos. Objectos aparecem, ilustrando cenas particulares e visões recapturadas dos confins da mente. Para além de deambular por entre tais localizações, também nos é permitido ‘reflectir’, acção que aprofunda a relação entre o jogador e um pedaço específico do mundo através da elevação do impacto audiovisual do momento. Em suma, um novo e promissor paço em direcção a uma corrente relativamente recente de game design erudito, direccionado para um público mais selecto. Esperam-se grandes feitos, portanto.


De forma a compreender algo mais sobre o jogo, entrevistámos Tracy Fullerton e perguntámos qual a origem e destino desta viagem sobrenatural.

 

COREGAMING : Explique-nos como começou a trabalhar num projecto com Bill Viola e a sua mulher (Kyra Perov)? Qual é a opinião dele em relação aos jogos de vídeo?

TRACY FULLERTON : O jogo foi concebido pelo Bill Viola e patrocinado por um fundo concedido pelo National Endowment for the Arts (patrocínio de criações artísticas) quando o Laboratório de Inovação da USC (Universidade da Califórnia do Sul) se envolveu no projecto. O trabalho de Bill é extraordinário, inspirador, e a hipótese de trabalhar com ele num videojogo explorando a viagem espiritual foi incrível para nós. Começámos com algumas questões centrais – algumas para o Bill, e outras sobre a natureza dos jogos e como eles podem expressar ideias sobre este tipo de viagem. No geral, o processo tem sido muito orgânico; falar com o Bill, criar protótipos, explorar ideais e descobrir, ao longo do tempo, pontos comuns e ideias interessantes em que nos concentrar.

Tem sido uma colaboração incrível desde o início. Ele e a Kira Perov, Directora Executiva do seu estúdio, têm sido fantásticos colegas de trabalho. Não creio que eles sejam jogadores assíduos, propriamente, mas todos temos trabalhado para encontrar pontos comuns em que o projecto tenha a estrutura de base de um jogo, e que mesmo assim se faz sentir como uma sequência de vídeo exploratória. É mesmo uma integração das duas formas.

CG : Da apresentação que foi mostrada, THE NIGHT JOURNEY vai integrar paisagens tridimensionais com sequências de vídeo sobrepostas. Ainda assim, a jogabilidade e a mecânica por detrás deste jogo ainda estão por definir. Podia ajudar-nos a compreender algo mais sobre ela?

TF : A mecânica de raiz do jogo baseia-se na exploração e naquilo que chamamos de ‘reflexão’. A reflexão é uma forma de olhar mais profundamente o mundo do jogo, por debaixo da superfície, para descobrir e transformar a sua experiência visual e também as habilidades dentro dele. O jogo revela-se a si mesmo lentamente ao longo do tempo e requer este tipo de compromisso e introspecção que nós associamos a este arquétipo de viagem.

CG : Uma reacção comum à apresentação do jogo é a dificuldade que o público tem em reagir positivamente. THE NIGHT JOURNEY não é, de forma alguma, um jogo vulgar. Para além dos trabalhos de Bill Viola, pode explicar-nos o que a inspirou a criá-lo?

TF : O Bill providenciou-nos um grande arquivo de material que ele catalogou por temas e que usou como referência para a criação deste mundo. Nós recriámos locais especiais de alguns dos seus trabalhos num ambiente 3D, mas também integrámos o próprio vídeo na obra como parte das reflexões. O jogo ainda não está acabado, e ainda estamos a acrescentar mais material.

Juntamente com estas referências, nós também nos baseámos numa série de escritos espirituais que nos foram trazidos pelo Bill Viola como inspiração para o design do mundo. Eles não estão no jogo como um texto a esta altura, mas encontram-se lá, substancialmente. Originalmente, gravámos muitos deles em áudio e podiam ser, inclusivamente, ouvidos no ambiente do jogo, mas assim que progredimos com a criação, apercebemo-nos que estes se tinham tornado redundantes – o sentimentos que eles evocavam já estava presentes no mundo e nos momentos de reflexão. Portanto eles agora existem como fontes que podem ser acedidas se o jogador estiver interessado em aprender mais.

CG : Qual é, na sua opinião, o género de jogador que vai desfrutar do seu novo jogo e, no fundo, por que razão ele o quererá jogar?

TF : Eu acho que existem muitos jogadores que cresceram com o meio dos videojogos que gostariam de experimentar novas formas de jogar, jogos que mexessem com eles através de formas profundas e emocionais. Também penso que existem muitas pessoas que não jogam regularmente, que podem até nunca ter jogado um jogo e que iriam gostar deste tipo de jogo. A razão para jogar um jogo como este é muito pessoal, tal como a própria viagem espiritual. Eu não acho que nenhuma obra de media possa levar um indivíduo directamente até esse objectivo – as coisas não funcionam assim, simplesmente. Mas penso que a experiência de jogar THE NIGHT JOURNEY pode ser um passo, ou um início para alguém. Talvez um jogador assíduo que nunca tenha encontrado o trabalho de Bill Viola em outras formas, ou alguém que irá olhar mais de perto para as origens deste projecto. O jogo, em si, é apenas uma pequena peça de uma exploração muito maior para uma pessoa com vontade de descobrir algo mais.

CG : Outros artistas reconhecidos de outras áreas da arte e comunicações estão agora a  expressar um profundo interesse na indústria dos videojogos – por exemplo, Steven Spielberg. O que é que acha que está a tornar os jogos tão interessantes e um objecto de debate tão tentador nos dias de hoje, aparte dos imensos lucros que estes geram?

TF : Eu acho que os jogos e o acto de os jogar constituem o meio do nosso tempo. Claro que jogar não é um conceito novo e não requer as tecnologias que nos fazem vibrar tanto, mas esta pode aumentar o acto de jogar e criar novas formas possíveis de o fazer e isso é o que vemos mais e mais. Penso que muitos artistas em outros campos olham para o ‘jogar’ de forma a encontrar novas possibilidades para a sua expressão.

CG : Muito como na Interactive Media Division na USC, o seu projecto integra elementos quer dos videojogos quer do cinema. Acha que a fusão destes elementos é benéfica para os videojogos numa altura em que alguns criadores estão a lutar tanto para alcançar o reconhecimento de um estatuto de independência para este meio?

TF : A ideia de um ‘vídeo explorável’ foi um dos nossos objectivos principais para este projecto: fazer o jogo sentir como se estivéssemos a explorar um filme do Bill. Para fazer isso, criámos uma série de filtros de pós-processamento combinados com uma direcção artística muito cuidada para fazer o mundo do jogo se assemelhar ao género de vídeo granulado que o Bill tantas vezes usa nas suas obras. Nem todos os nossos jogos têm uma ligação tão directa com o cinema: nós usamos técnicas que se adaptam a cada situação.  

CG : Os jogos da USC são frequentemente associados ao que o público, em geral, chama de jogos alternativos, simplesmente porque eles não são grandes produções altamente publicitadas e são essencialmente baseados em conceitos de jogo diferentes do habitual. Muitos acusam estes jogos de serem feitos de acordo com a visão dos seus criadores, ignorando as preferências ou gostos do público. O que lhe parece isto tudo?

TF : A nossa filosofia de desenho é muito centrada na experiência do jogador e nós dispomos de um playtesting intensivo com os utilizadores através do processo – mais do que a maioria dos jogos comerciais, digo eu – para nos assegurarmos que estamos a dirigir-nos ao jogador. Já escrevi sobre este processo extensivamente porque penso que todos os jogos, não apenas os jogos alternativos, podem beneficiar de um processo de design centrado no jogador. Na verdade, eu creio que a indústria de jogos comerciais está na maioria das vezes mais apta a ignorar os desejos dos jogadores, especialmente o que eu chamaria uma ‘minoria de jogadores’, tais como as mulheres e os jogadores mais velhos.

CG : Esta é uma questão inevitável, possivelmente incomodativa, mas igualmente pertinente: decerto que se apercebe que é uma das pessoas com maior reconhecimento no sector da criação e ensino dos jogos de vídeo, tendo já publicado um dos livros mais importantes do mercado acerca deste tema. Como se sente a trabalhar numa indústria dominada maioritariamente por homens?

TF : A indústria dos videojogos é, definitivamente, dominada por homens; sem dúvida alguma. Tenho a esperança que os meus estudantes, que eu ensino aqui na USC, homens e mulheres, saiam para o mundo e mudem esse facto. Vejo algumas mudanças positivas tais como o tremendo sucesso da Wii como uma plataforma de família, assim como o crescimento dos jogos casuais e o sucesso de alguns pequenos criadores independentes como a Thatgamecompany (liderada por Kellee Santiago).

CG : O jogo CLOUD, de Jenova Chen, foi criado com a sua consultadoria. A Thatgamecompany também veio a criar outros importantes marcos do jogo independente como o FLOW e agora o novo título para PS3, FLOWER. Como é que se sente ao ensinar como criar videojogos e ver alguns dos seus estudantes a atingirem os seus objectivos?

TF : Estou incrivelmente orgulhosa dos meus estudantes, não apenas aqueles que conseguiram alcançar o tipo de sucesso público como o Jenova e o resto da equipa da Thatgamecompany. Tenho estado a ensinar há onze anos e tenho visto estudantes meus saírem para a indústria e trabalhar em muitos, muitos jogos de sucesso. Ser um game designer de sucesso nem sempre significa estar na mira do público – por vezes significa ser um fantástico jogador de equipa numa grande unidade de produção, e fazer a diferença dessa forma.

CG : Qual a plataforma para a qual o jogo vai ser lançado?

TF : Neste momento, ainda não tomámos nenhuma decisão acerca da plataforma de lançamento do jogo.

CG : Se tivesse de apresentar a indústria dos videojogos a alguém que nada conhecesse dela, que jogo escolheria – se apenas pudesse escolher um – para descrever o que são os videojogos?  

TF : Quando falo com as pessoas sobre jogos não me foco na indústria; foco-me nos jogos como forma estética. Esta é uma das minhas citações favoritas, que vem do New Games Book e que explica porque é que eu penso que os jogos são tão importantes de fazer, jogar e estudar: ‘Como nós jogamos o jogo pode ser mais importante do que imaginamos; pois isso significa nada menos do que a nossa própria maneira de estar no mundo’ – George Leonard.



Todd Furmanksi, Mike Rossmassler, Tracy Fullerton e Kurosh ValaNejad, o núcleo da equipa.

Para mais informação é favor visitar o site oficial.

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