Jordan Mechner
LESS IS MORE



Perfil - 08 / 06 / 07

 

Jordan Mechner é uma referência incontornável no capítulo da criação de vídeo jogos nos anos 80 pelo seu espírito inovador e legado inestimável. Outrora um estudante de Yale, sempre se debateu entre o seu interesse por cinema e o fascínio pela informática. Neste sentido, os jogos ofereceram-lhe uma oportunidade única de conciliação destes interesses e da manifestação das suas excepcionais capacidades.

A sua longa carreira ligada a esta indústria começou com KARATEKA, em 1984, um jogo de combate situado na China Antiga, onde as artes marciais são a chave para dominar os nossos inimigos. Desde cedo Mechner deixou bem claro a sua atenção pelos detalhes visuais: independentemente da versão de KARATEKA, todas elas espelham um desejo assumido de ornar as animações dos sprites de um grande realismo. Este facto torna-se ainda mais importante se considerarmos que poucos ou nenhuns dos game designers demonstravam tanto rigor e atenção pelos detalhes.

Se Karateka dá um forte indício das suas habilidades para criar jogos inovadores, com um componente visual forte e jogabilidade desafiante, com PRINCE OF PERSIA (1989) atingiu o clímax da sua carreira. Trata-se de um dos jogos mais influentes de sempre - a quem a Core Design estará, sem dúvida, eternamente grata - na medida em que virou mais uma página no livro da história dos videojogos. Nenhum elogio a seu respeito é, portanto, desmerecido.

A sua obsessão pela dimensão temporal é facilmente reconhecível em PRINCE OF PERSIA, uma vez que nos são concedidos somente 60 minutos para terminar o jogo. Mechner, numa entrevista, confessou esta preferência em criar jogos onde a componente temporal é limitada onde a experiência de jogo é mais inquietante. Esta é uma opção puramente mecânica e que acaba por ser corroborada pela componente narrativa, possivelmente um mero derivado de uma ideia inicial de o tornar limitado no espaço habitável e no tempo de jogo - a jogabilidade acima da narrativa, como convém.

É possível dizer-se que se trata de um jogo à frente do seu tempo, e vários aspectos nele o atestam: a inexistência de música constante, aspecto comum a quase todos os videojogos desta época; omissão de quaisquer secções de diálogos, uma possível homenagem ao cinema mudo tão apreciado por Mechner; a simplicidade assumida no design gráfico do cenário faz contraste com o inovador e (fortemente) influente uso do rotoscoping na personagem, caracterizado de forma impressionista; classificação do espaço e evolução da escala cromática em sincronia com o progresso no jogo; e, finalmente, o valor dos gestos e movimentos em detrimento da solução mais inteligível, o diálogo. Qualidades que se foram perdendo com as sucessivas reformulações do mesmo modelo através dos vários sistemas para que foi convertido.

Atingido este ponto da sua carreira, Mechner confiou suficientemente no poder do seu jogo ao ponto de criar uma sequela capaz de rivalizar ou superar a primeira parte. Contudo PRINCE OF PERSIA II: THE SHADOW AND THE FLAME não é um jogo tão surpreendente e em muitos aspectos acaba por mais não fazer do que recuperar situações do jogo prévio. Ao contrário do original - quase totalmente feito por Mechner - este jogo envolveu uma equipa de programação ligeiramente maior, onde a sua participação foi bem menos significativa.

Não estamos perante um jogo medíocre, muito pelo contrário. Trata-se de um jogo muito imaginativo e que explora alguns aspectos deixados pelo antecessor. Em suma, apresenta uma abordagem muito mais expansiva do mesmo tema, contendo gráficos mais ousados, uma banda sonora prolífica e um terreno de jogo mais aberto. Contudo é evidente a perda de muitos dos aspectos que tanto valorizaram o original, uma experiência solitária de um herói conduzido pelo amor, contra a opressão do seu inimigo, o Vizir Jaffe. Há uma marca inequívoca de que se pretendia tomar outro rumo não só no domínio das possibilidades concedidas ao jogador, como a uma tentativa de evolução artística: substituiu-se o minimalismo impressionista da primeira incursão por um detalhado surrealismo nos décors de algumas fases.

Os seguintes anos na vida de Mechner são o testemunho de uma viragem de carreira, numa altura em que os videojogos foram preteridos em relação ao Cinema, uma paixão que nunca escondeu. WAITING FOR DARK, lançado em 1993, foi a sua primeira curta-metragem oficial e conquistou alguns prémios em festivais de cinema independentes assim como críticas muito positivas. Tratou-se de um pequeno projecto que deu a Mechner a oportunidade de indagar pelo mundo do cinema, possivelmente de atestar as suas capacidades como contador de histórias num formato diferente do que tinha experimentado até então.

Cerca de quatro anos depois, o génio de Mechner voltou a encarar os videojogos, agora com uma nova label conhecida como The Smoking Car. O nome do novo projecto: THE LAST EXPRESS, lançado em 1997, época de ouro para os jogadores de PC e os amantes dos jogos de aventura gráfica. Não obstante, este é um jogo perfeitamente único e distinto, ambicioso de uma forma raramente encontrada nesta indústria.

Mechner revelou que uma das maiores dificuldades quando se constrói um jogo é a criação de um universo credível. Espaços demasiado abertos e amplos, como por exemplo uma cidade, eram difíceis de obter uma vez que os meios técnicos eram um grande impedimento. A solução, no caso deste jogo, foi a de reduzir o espaço do jogo a algo pequeno como um comboio e que pudesse, simultaneamente, dar oportunidade de implementar uma série de personagens, representantes de vários países, línguas e culturas.

Ainda que o comboio seja um espaço limitado, o simples facto de se encontrar em marcha constante - viajando através do continente europeu - aplica grande dinâmica à progressão do jogo, auxiliada por outra camada dimensional que Mechner conferiu a THE LAST EXPRESS: o tempo. Os relógios, vistos no ecrã de título sempre que iniciamos um jogo ou dispersos por todo o comboio, marcam imparavelmente a passagem do tempo e a aproximação de cada um dos destinos. Todo o jogo é passado no expresso do oriente, no ano de 1914, entre Paris e Constantinopla.

O mais notável é que Jordan Mechner não se limitou somente a criar um jogo de época, com um forte background histórico, utilizando pelo meio o melhor exemplo de sempre do uso de rotoscoping num videojogo. As infra-estruturas, a mecânica, foram todas elas pensadas em primeiro lugar. Só depois de atingir uma base satisfatória é que se preencheu a ideia com uma história, com uma soberba recriação do ambiente social, cultural e das intrigas políticas que precederam o início da primeira grande guerra. E todo este cenário se encontra representado em aparatosos visuais que se qualificam não só pelo dito uso da técnica de rotoscoping, assim como pela muito inspirada referência ao trabalho do pintor Henri de Toulouse-Lautrec.

O estudo tão aplicado dos elementos que compõe o jogo, aliado à execução cuidada dos mesmos resulta numa das melhores experiências jamais criadas num videojogo de aventura em tempo real, onde algumas das nossas acções determinam o seguimento da história. Este aspecto, de resto, tem sido um alvo para muitos dos jogos de aventura actuais.

Lamentavelmente a aceitação do público não foi tão calorosa como a da crítica e, consequentemente, o grupo The Smoking Car então sedeado em São Francisco fechou as portas. Não obstante, é natural que os PC gamers desta altura, demasiado ocupados a equipar as suas máquinas com placas aceleradoras de forma a poder jogar os mais recentes first person shooters, ignorassem um jogo tão cuidado e produzido.

Cerca de dois anos depois, PRINCE OF PERSIA transita para o inevitável mundo do tridimensional com o título (original) de PRINCE OF PERSIA 3D, desenvolvido pela Red Orb Entertainment e sem participação do criador da franquia. O jogo contém alguns detalhes merecedores de atenção mas, no geral, trata-se de uma péssima aproximação ao universo da série, cuja transição para as três dimensões se fez da pior maneira - TOMB RAIDER acabou por ser o mais fiel sucessor de PRINCE OF PERSIA.

O ano de 2003 marca o regresso de Mechner em grande, novamente como realizador, através do seu documentário CHAVEZ RAVINE: A LOS ANGELES STORY, mais uma vez bem recebido pela crítica cinematográfica especializada.

Até à data, o último projecto em que se envolveu foi o primeiro de uma saga de três episódios da geração 128-Bit de PRINCE OF PERSIA, mais propriamente, THE SANDS OF TIME. A início, como chegou a confessar, o projecto iria contar somente com o seu talento como argumentista. Só Mais tarde é que Mechner se deixou entusiasmar, acabando por dedicar algo mais ao título da Ubisoft. São, de resto, visíveis as diferenças entre o primeiro episódio da nova saga, mais bem estruturado de narrativa, e os restantes dois, WARRIOR WITHIN (criticado por Mechner quanto a algumas opções estilísticas) e THE TWO THRONES.

Neste momento sabe-se que Mechner está a planear o filme de PRINCE OF PERSIA - de resto a sua criação mais famosa e rentável - em conjunto com o lendário produtor de Hollywood, Jerry Brucheimer. Quanto a projectos relacionados com o mundo dos videojogos, não existe qualquer informação, até porque a realização de um filme é uma tarefa fortemente consumidora quer de tempo quer de recursos intelectuais e não deverão existir muitas razões para pensar que volte, tão cedo, a arriscar-se no mundo dos videojogos.

O que leva a reflectir se de facto não deveria ter sido no mundo cinematográfico que os seus maiores esforços se deviam ter concentrado, sendo este um meio bem mais capaz de reconhecer as suas virtudes do que aquele dos videojogos (público ou crítica). É certo que PRINCE OF PERSIA foi, no ano de 1989, um dos jogos mais vendidos (com cerca de meio milhão de unidades vendidas) e que muitos jogadores sérios ainda procuram nestes novos títulos aquela mítica essência do jogo original.

Mechner é um sobrevivente, um purista que representa uma época distante em que os jogos eram criados por uma só pessoa, sozinha em frente ao computador, por entre centenas de linhas de códigos. Merece a sua presença no panteão dos grandes game designers lado a lado com qualquer John Carmack ou Will Wright - nomes bem mais celebrados actualmente pelo público e imprensa. Todas as suas criações se caracterizam por se encontrarem à frente do seu tempo e pela sua intenção de impulsionar a indústria rumo à intelectualização do fenómeno vídeo lúdico: quer nas bases onde se constrói cada jogo, quer na consciência dos próprios jogadores e a forma como estes encaram este fascinante mundo.

 

 

 

 
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