Jordan
Mechner é uma referência incontornável no capítulo
da criação de vídeo jogos nos anos 80 pelo seu
espírito inovador e legado inestimável. Outrora um estudante
de Yale, sempre se debateu entre o seu interesse por cinema e o fascínio
pela informática. Neste sentido, os jogos ofereceram-lhe uma
oportunidade única de conciliação destes interesses
e da manifestação das suas excepcionais capacidades.
A
sua longa carreira ligada a esta indústria começou com
KARATEKA, em 1984, um jogo
de combate situado na China Antiga, onde as artes marciais são
a chave para dominar os nossos inimigos. Desde cedo Mechner deixou
bem claro a sua atenção pelos detalhes visuais: independentemente
da versão de KARATEKA,
todas elas espelham um desejo assumido de ornar as animações
dos sprites de um grande realismo. Este facto torna-se ainda mais
importante se considerarmos que poucos ou nenhuns dos game designers
demonstravam tanto rigor e atenção pelos detalhes.
Se
Karateka dá um forte indício das suas habilidades para
criar jogos inovadores, com um componente visual forte e jogabilidade
desafiante, com PRINCE OF PERSIA (1989)
atingiu o clímax da sua carreira. Trata-se de um dos jogos
mais influentes de sempre - a quem a Core Design estará, sem
dúvida, eternamente grata - na medida em que virou mais uma
página no livro da história dos videojogos. Nenhum elogio
a seu respeito é, portanto, desmerecido.
A
sua obsessão pela dimensão temporal é facilmente
reconhecível em PRINCE OF PERSIA,
uma vez que nos são concedidos somente 60 minutos para terminar
o jogo. Mechner, numa entrevista, confessou esta preferência
em criar jogos onde a componente temporal é limitada onde a
experiência de jogo é mais inquietante. Esta é
uma opção puramente mecânica e que acaba por ser
corroborada pela componente narrativa, possivelmente um mero derivado
de uma ideia inicial de o tornar limitado no espaço habitável
e no tempo de jogo - a jogabilidade acima da narrativa, como convém.
É
possível dizer-se que se trata de um jogo à frente do
seu tempo, e vários aspectos nele o atestam: a inexistência
de música constante, aspecto comum a quase todos os videojogos
desta época; omissão de quaisquer secções
de diálogos, uma possível homenagem ao cinema mudo tão
apreciado por Mechner; a simplicidade assumida no design gráfico
do cenário faz contraste com o inovador e (fortemente) influente
uso do rotoscoping na personagem, caracterizado de forma impressionista;
classificação do espaço e evolução
da escala cromática em sincronia com o progresso no jogo; e,
finalmente, o valor dos gestos e movimentos em detrimento da solução
mais inteligível, o diálogo. Qualidades que se foram
perdendo com as sucessivas reformulações do mesmo modelo
através dos vários sistemas para que foi convertido.
Atingido
este ponto da sua carreira, Mechner confiou suficientemente no poder
do seu jogo ao ponto de criar uma sequela capaz de rivalizar ou superar
a primeira parte. Contudo PRINCE OF PERSIA II:
THE SHADOW AND THE FLAME não é um jogo tão
surpreendente e em muitos aspectos acaba por mais não fazer
do que recuperar situações do jogo prévio. Ao
contrário do original - quase totalmente feito por Mechner
- este jogo envolveu uma equipa de programação ligeiramente
maior, onde a sua participação foi bem menos significativa.
Não
estamos perante um jogo medíocre, muito pelo contrário.
Trata-se de um jogo muito imaginativo e que explora alguns aspectos
deixados pelo antecessor. Em suma, apresenta uma abordagem muito mais
expansiva do mesmo tema, contendo gráficos mais ousados, uma
banda sonora prolífica e um terreno de jogo mais aberto. Contudo
é evidente a perda de muitos dos aspectos que tanto valorizaram
o original, uma experiência solitária de um herói
conduzido pelo amor, contra a opressão do seu inimigo, o Vizir
Jaffe. Há uma marca inequívoca de que se pretendia tomar
outro rumo não só no domínio das possibilidades
concedidas ao jogador, como a uma tentativa de evolução
artística: substituiu-se o minimalismo impressionista da primeira
incursão por um detalhado surrealismo nos décors de
algumas fases.
Os
seguintes anos na vida de Mechner são o testemunho de uma viragem
de carreira, numa altura em que os videojogos foram preteridos em
relação ao Cinema, uma paixão que nunca escondeu.
WAITING FOR DARK, lançado em 1993,
foi a sua primeira curta-metragem oficial e conquistou alguns prémios
em festivais de cinema independentes assim como críticas muito
positivas. Tratou-se de um pequeno projecto que deu a Mechner a oportunidade
de indagar pelo mundo do cinema, possivelmente de atestar as suas
capacidades como contador de histórias num formato diferente
do que tinha experimentado até então.
Cerca
de quatro anos depois, o génio de Mechner voltou a encarar
os videojogos, agora com uma nova label conhecida como The Smoking
Car. O nome do novo projecto: THE LAST EXPRESS,
lançado em 1997, época de ouro para os jogadores de
PC e os amantes dos jogos de aventura gráfica. Não obstante,
este é um jogo perfeitamente único e distinto, ambicioso
de uma forma raramente encontrada nesta indústria.
Mechner
revelou que uma das maiores dificuldades quando se constrói
um jogo é a criação de um universo credível.
Espaços demasiado abertos e amplos, como por exemplo uma cidade,
eram difíceis de obter uma vez que os meios técnicos
eram um grande impedimento. A solução, no caso deste
jogo, foi a de reduzir o espaço do jogo a algo pequeno como
um comboio e que pudesse, simultaneamente, dar oportunidade de implementar
uma série de personagens, representantes de vários países,
línguas e culturas.
Ainda
que o comboio seja um espaço limitado, o simples facto de se
encontrar em marcha constante - viajando através do continente
europeu - aplica grande dinâmica à progressão
do jogo, auxiliada por outra camada dimensional que Mechner conferiu
a THE LAST EXPRESS: o tempo. Os relógios,
vistos no ecrã de título sempre que iniciamos um jogo
ou dispersos por todo o comboio, marcam imparavelmente a passagem
do tempo e a aproximação de cada um dos destinos. Todo
o jogo é passado no expresso do oriente, no ano de 1914, entre
Paris e Constantinopla.
O
mais notável é que Jordan Mechner não se limitou
somente a criar um jogo de época, com um forte background
histórico, utilizando pelo meio o melhor exemplo de sempre
do uso de rotoscoping num videojogo. As infra-estruturas, a mecânica,
foram todas elas pensadas em primeiro lugar. Só depois de atingir
uma base satisfatória é que se preencheu a ideia com
uma história, com uma soberba recriação do ambiente
social, cultural e das intrigas políticas que precederam o
início da primeira grande guerra. E todo este cenário
se encontra representado em aparatosos visuais que se qualificam não
só pelo dito uso da técnica de rotoscoping, assim como
pela muito inspirada referência ao trabalho do pintor Henri
de Toulouse-Lautrec.
O
estudo tão aplicado dos elementos que compõe o jogo,
aliado à execução cuidada dos mesmos resulta
numa das melhores experiências jamais criadas num videojogo
de aventura em tempo real, onde algumas das nossas acções
determinam o seguimento da história. Este aspecto, de resto,
tem sido um alvo para muitos dos jogos de aventura actuais.
Lamentavelmente
a aceitação do público não foi tão
calorosa como a da crítica e, consequentemente, o grupo The
Smoking Car então sedeado em São Francisco fechou as
portas. Não obstante, é natural que os PC gamers
desta altura, demasiado ocupados a equipar as suas máquinas
com placas aceleradoras de forma a poder jogar os mais recentes first
person shooters, ignorassem um jogo tão cuidado e produzido.
Cerca
de dois anos depois, PRINCE OF PERSIA
transita para o inevitável mundo do tridimensional com o título
(original) de PRINCE OF PERSIA 3D, desenvolvido
pela Red Orb Entertainment e sem participação do criador
da franquia. O jogo contém alguns detalhes merecedores de atenção
mas, no geral, trata-se de uma péssima aproximação
ao universo da série, cuja transição para as
três dimensões se fez da pior maneira - TOMB
RAIDER acabou por ser o mais fiel sucessor de PRINCE
OF PERSIA.
O
ano de 2003 marca o regresso de Mechner em grande, novamente
como realizador, através do seu documentário CHAVEZ
RAVINE: A LOS ANGELES STORY, mais uma vez bem recebido pela
crítica cinematográfica especializada.
Até
à data, o último projecto em que se envolveu foi o primeiro
de uma saga de três episódios da geração
128-Bit de PRINCE OF PERSIA, mais propriamente,
THE SANDS OF TIME. A início, como
chegou a confessar, o projecto iria contar somente com o seu talento
como argumentista. Só Mais tarde é que Mechner se deixou
entusiasmar, acabando por dedicar algo mais ao título da Ubisoft.
São, de resto, visíveis as diferenças entre o
primeiro episódio da nova saga, mais bem estruturado de narrativa,
e os restantes dois, WARRIOR WITHIN (criticado
por Mechner quanto a algumas opções estilísticas)
e THE TWO THRONES.
Neste
momento sabe-se que Mechner está a planear o filme de PRINCE
OF PERSIA - de resto a sua criação mais famosa
e rentável - em conjunto com o lendário produtor de
Hollywood, Jerry Brucheimer. Quanto a projectos relacionados com o
mundo dos videojogos, não existe qualquer informação,
até porque a realização de um filme é
uma tarefa fortemente consumidora quer de tempo quer de recursos intelectuais
e não deverão existir muitas razões para pensar
que volte, tão cedo, a arriscar-se no mundo dos videojogos.
O
que leva a reflectir se de facto não deveria ter sido no mundo
cinematográfico que os seus maiores esforços se deviam
ter concentrado, sendo este um meio bem mais capaz de reconhecer as
suas virtudes do que aquele dos videojogos (público ou crítica).
É certo que PRINCE OF PERSIA foi,
no ano de 1989, um dos jogos mais vendidos (com cerca de meio milhão
de unidades vendidas) e que muitos jogadores sérios ainda procuram
nestes novos títulos aquela mítica essência do
jogo original.
Mechner
é um sobrevivente, um purista que representa uma época
distante em que os jogos eram criados por uma só pessoa, sozinha
em frente ao computador, por entre centenas de linhas de códigos.
Merece a sua presença no panteão dos grandes game designers
lado a lado com qualquer John Carmack ou Will Wright - nomes bem mais
celebrados actualmente pelo público e imprensa. Todas as suas
criações se caracterizam por se encontrarem à
frente do seu tempo e pela sua intenção de impulsionar
a indústria rumo à intelectualização do
fenómeno vídeo lúdico: quer nas bases onde se
constrói cada jogo, quer na consciência dos próprios
jogadores e a forma como estes encaram este fascinante mundo.