Jake Kazdal
An American Gaijin



COREgaming - 16 / 09 / 08

 

II. ENTREVISTA

A impressão que formei sobre Jake Kazdal foi a de um artista de talento, altamente acessível e entusiasmado pela perspectiva de colaborar neste artigo. Foi atencioso ao ponto de me ajudar a compreender um pouco melhor o seu percurso durante os quatro intensos anos que viveu nos estúdios da SEGA. Uma vez que tenho vindo a desenvolver um imenso respeito e admiração pelo estúdio e os seus jogos há muito, esta entrevista foi uma extraordinária oportunidade de aprendizagem.

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COREGAMERS : De acordo com a entrevista no site do David Perry, apresentas os clássicos TEMPEST e CENTIPEDE como as primeiras grandes experiências com videojogos. Olhando para trás, até à chamada golden age dos jogos arcade, e como um adulto que se tornou um membro significante da indústria, explica-me o que achaste de tão fascinante naqueles jogos daquela altura.

Jake Kazdal : Não sei o que me cativou tanto, creio que a coordenação olho-mão e a energia pura dos pixéis acesos naqueles grandes ecrãs pretos, na sala escura das traseiras das pizzarias do meu pai nos finais de 70 e nos inícios de 80 – era pura magia.

CG : De que forma é que a tua educação como artista plástico e cineasta (na área de animação) te ajudou a progredir na tua carreira? (parece-me que vês a educação como uma parte vital de uma carreira de sucesso).

JK : Sem dúvida. Sabendo muito sobre como os jogos devem ser e como devem sentir é certamente uma grande parte, mas ao fim do dia eu sou pago para criar boa arte, e isso em si é a obsessão de uma vida. Ainda vou a aulas e workshops com frequência, tentando acompanhar: na verdade rouba-me muito do tempo que teria para jogar! Mas temos de ser capazes de trabalhar sob pressão e muito treino prático ajuda, de facto.

SPACE CHANNEL 5 character design artwork
(JKOOXL DESIGN - Portfolio)


CG : Ao jogar SPACE CHANNEL 5 há alguns anos atrás, senti que uma grande parte da inovação demonstrada no jogo estava evidenciada nas personagens e no seu estilo irreverente. Qual foi o conceito chave que usaste durante o desenho destas personagens?

JK : Creio que a fonte de inspiração principal para todos nós foi o filme Barbarella, e assim que começámos mesmo a definir o que o jogo era, levámos isso mais e mais longe. Recordo-me que todos nós rimos em gargalhadas face ao ridículo de algumas das últimas personagens do jogo, com um estilo o mais “espacial” e “tresloucado” que nos foi possível fazer.

SPACE CHANNEL 5 character design artwork
(JKOOXL DESIGN - Portfolio)


CG : Nos créditos do jogo REZ, apareces mencionado como Designer Gráfico, juntamente com Ryutaro Sugiyama. Ajuda-me a compreender melhor qual o tipo de trabalho que fizeste na produção do jogo.

JK : O Ryu-chan era um Designer Gráfico (é curioso que o menciones, eu dei com ele por acidente numa festa algures no Japão rural há um ano atrás). Eu era, acima de tudo, um character designer quando trabalhei em REZ. A maior parte do nível 1, e a totalidade do nível 2 foram desenhados, modelados e animados (mesmo os inimigos) por mim.

Havia dois outros artistas a fazer o mesmo trabalho para os outros níveis, dois artistas para os backgrounds, e um artista para os bosses. Era uma pequena equipa mas divertimo-nos imenso a fazer o jogo. Passámos por imensas mudanças enquanto procurávamos pelo look do jogo. Como já deves ter visto, um dos maiores progressos ocorreu numa noite em que estava na farra em Tóquio e vi um plug-in estranho do Winamp, com uns wireframes marados enquanto passavam uns MP3 de música trance. Gravei uma série deles e apresentei-os no dia a seguir ao Mizuguchi-San e ao Usumi-San: e assim nasceu o look wireframe !

CG : Há alguns anos atrás, quando o REZ foi lançado, recordo de ver no site da UGA uma secção sobre o staff, onde cada um dos membros era apresentado dando uma pequena mensagem aos jogadores. Pareceu-me que havia um excelente ambiente de trabalho na UGA. Podes-me descrever, o melhor possível, a tua experiência como um membro daquele grupo criativo?

JK : Eu adorei trabalhar ali. Vinha de fora mas basicamente toda a gente se começou a dar comigo muito depressa. Os membros mais acanhados das equipas de programação demoraram algum tempo até me conhecerem, mas muitos dos artistas e dos designers eram muito extrovertidos e estavam emocionados por trabalhar com um estrangeiro estranho e grande, que tinha tanta paixão e conhecimento sobre jogos como eles tinham!

Foi uma altura especial, tivemos a oportunidade de fazer algo mesmo muito avançado, sem nada em específico em que basear o nosso trabalho, sem uma verdadeira rampa de lançamento. Tentámos ir até ao fundo. Acabámos por ir muito mais fundo, a certo ponto do que o jogo final, mas as pessoas fora da equipa que jogaram o jogo não compreenderam, era demasiado estranho. Tivemos de voltar atrás, torná-lo mais acessível e compreensível.

CG : Para que direcção estava a ser levado o projecto inicialmente?

JK : O jogo estava a evoluir numa direcção mais abstracta, os inimigos tinham tendência a parecer-se mais como cenário de fundo e não se faziam sentir como ameaçadores nem eram logo reconhecidos como sendo adversários. Portanto foi necessário dar-lhes mais destaque e fazê-los mexer de uma forma mais convincente e agressiva.

CG : Muitas fontes apontaram jogos rítmicos como o grande precursor OTOCKY, para a Famicom Disk System, como uma das maiores inspirações durante a produção do jogo. Do que vejo das imagens iniciais de REZ, o jogo passou por várias fases até adquirir a sua forma final: houve algum objectivo conciso durante o período de desenvolvimento? Nas reuniões de planeamento, foram discutidos outros jogos ou influências como sendo significantes para o projecto?

JK : Eu joguei OTOCKY enquanto trabalhei no REZ, mas não posso dizer que houve muita influência na realidade. O nosso músico principal, DJ Ebizoo, que estava encarregado da parte do sistema de música, passou algum tempo em África mesmo antes do trabalhar no jogo e a estudar a música das tribos africanas - ou terá sido durante os primeiros tempos de desenvolvimento? Já não me recordo. Ele filmou vídeos e ao regressar apresentou-os à equipa: era a teoria de chamada e resposta, onde um cantor principal lança questões ou afirmações e a tribo como um todo lhe responde em forma de canção. Quer o Ebizoo-San, quer o Mizuguchi-San estavam muito fascinados por isto, e esse foi um dos aspectos que eles tentaram inserir no jogo.

CG : É frequente ouvirmos as descrições sobre o homem por detrás dos jogos, mas é sempre diferente ouvir em primeira mão através de alguém que chegou a trabalhar lado a lado com Tetsuya Mizuguchi. O que pensas dele como artista e como amigo?

JK : Eu adoro-o. Ele é o maior. Super positivo, super aberto, super receptivo, super amistoso, simplesmente um gajo porreiríssimo com quem se pode trabalhar. Ele é uma das pessoas mais positivas que alguma vez conheci. É como que um irmão mais velho para mim, mantemo-nos em contacto e vejo-o, pelo menos, umas poucas vezes ao ano.

Ele adora pensar fora das barreiras do normal, e apesar de ele não ter supervisionado militantemente todo o projecto, ele tinha a visão na sua cabeça e não tinha receio de tentar coisas novas, assim como incluir outras coisas interessantes que não faziam parte dessa visão. Espero trabalhar com ele outra vez, um dia.

CG : REZ faz parelha com a arte abstracta de Kandinsky, o pintor cujo trabalho e alegada sinestesia foram celebrados no jogo. Ao investigar o teu currículo, nomeadamente no ano de 1994, descobri que tinhas feito alguns workshops acerca de pintura a óleo e animação, assim como que tinhas estudado arte russa Impressionista. Considerando que o trabalho inicial de Kandinsky se insere nessa corrente, pois foi influenciado pelo trabalho de Monet em Paris, pergunto se existe alguma relação entre a tua educação e este aspecto particular do jogo – ou será uma grande coincidência?

JK : Pura coincidência. Mas sabes que a Sony copiou de uma pintura de Kansinsky todos os ícones dos leitores de CD/DVD? Procura sobre isso. “Play”, Pause”, “Stop”, “Fast-Forward”, todos eles estavam numa só pintura de Kandinsky!

CG : Não fazia ideia, mas penso que sei a que quadro te referes. Ainda assim, o jogo é dedicado a Kandinsky e o nome de código K-Project é geralmente intepretado como "Kandinsky Project".

JK : K-Pro quer mesmo dizer Kandinsky project. Kandinsky viva muito em volta da sua sinestesia, que resultava da mistura de todos os sentidos. Estávamos a tentar aproximar som, vibração, movimento e cor numa só sensação unificada. O seu trabalho foi a inspiração original para REZ.

CG : Consegues-te lembrar de algum facto interessante ou curiosidade acerca de REZ que não seja do conhecimento público?

JK : Bem… de um modo geral a equipa era composta de pessoal que já tinha trabalhado no PANZER DRAGOON, três deles artistas freelance de alta categoria, um director de arte visionário (Yokota, que foi lead artist no PANZER DRAGOON SAGA e que continua na Q?). Houve um ano de trabalho de pré-produção que muito poucos viram, um documentário de TV que foi emitido após meses de filmagens, umas poucas horas por semana, dentro do estúdio. Underworld, Aphex Twin e Chemical Brothers estiveram QUASE a envolver-se no jogo. O jogo saiu no Japão no meu dia de aniversário! Que tal?

CG : Ao olhar para o teu portfolio, fico a pensar que toda a aquela arte conceptual de alta qualidade se podia tornar o ponto de partida para uma grande produção de um videojogo. Cada artista, seguindo a visão do game designer ou produtor, tende a colocar na sua porção do trabalho as suas próprias referências. Quais foram as referências para o teu trabalho até agora, quer dentro quer fora do universo dos videojogos, como artista visual?

JK : Essa é uma pergunta enorme… penso que a minha paixão por arte impressionista, pesada e repetida exposição aos filmes Star Wars como criança, imensos videojogos, velhos anime (dos anos 60 e 70), Koji Morimoto, um amor selvagem pelo grande desconhecido e um fascínio absoluto com os domínios inéditos na vida moderna.

CG : Aquele artigo a teu respeito no Gamasutra expressou alguma da tristeza que sentiste naquela altura em que a tua carreira no Japão terminou. O que pensas que o futuro reserva para ti, para além do desejo vívido de estudar e aprender mais cada dia?

JK : As coisas estão óptimas agora. Eu posso escolher quais os projectos em que trabalho, posso contribuir mais e mais graças a todos os estudos que faço, e penso que os videojogos ainda estão na vanguarda do entretenimento. O meu sonho é fundar o meu próprio estúdio, trabalhando quer no Japão com os meus ex-companheiros e outros amigos, quer na Costa Oeste, passando grandes porções de tempo imerso em ambas as culturas e com disponibilidade suficiente para conhecer muitas outras nos meus tempos livres!


JKOOXL DESIGN - ARTWORK
@ http://jakekazdal.com/


KAZDAL / YOKOTA ARTWORK
@ UNITED GAME ARTISTS

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Rez (fases iniciais)

 

 
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