Houve uma época na história dos videojogos em que a Europa dava cartas no mercado internacional. Oscilando num mundo bipolarizado entre as programadoras gigantes do Japão e dos EUA, um grupo restrito mas muito produtivo de criadores do velho continente primava pela originalidade na forma e conteúdo das suas obras. Empresas francesas como a Adéline, a Cryo Interactive, a Infogrames e a Delphine Software International estavam entre as melhores e mais inovadoras, produzindo um conjunto de obras-primas inesquecíveis. Estávamos nos anos 90, década em que Paul Cuisset fez nascer FLASHBACK.
Como antecedentes esta obra tem um conjunto curto mas notável de videojogos. À primeira vista a referência é o genial PRINCE OF PERSIA, de Jordan Mechner, pela mecânica clássica do jogo de plataformas e também na utilização do rotoscoping como técnica de animação das personagens. Já no âmbito da realidade europeia (francesa para ser mais específico) encontramos dois outros produtos lançados anteriormente pela Delphine Software que são igualmente influentes: FUTURE WARS (programado pelo mesmo Paul Cuisset, do qual recuperou a atmosfera de ficção científica e a temática do homem simples apanhado no seio de eventos que o ultrapassam) e OUT OF THIS WORLD (do qual herdou a estética BD, a técnica de animação e a estrutura narrativa entrecortada por sequências full motion animation).
Somos Conrad B. Hart, um cientista que desenvolve um dispositivo ocular que analisa a densidade molecular dos organismos. Ao testar a sua nova invenção, descobre seres extraterrestres de aparência exterior humana que se infiltraram na Terra para controlar a nossa sociedade. Inadvertidamente, Conrad encontra-se no meio de uma conspiração interplanetária para o eliminar a ele e ao mecanismo que inventou. Depois de capturado pelos alienígenas é levado para um outro planeta onde consegue escapar, despenhando-se numa selva. É aí que começa a nossa intervenção como jogadores em FLASHBACK.
Funcionando essencialmente como um videojogo de plataformas, Paul Cuisset tornou a sua obra mais interessante ao incluir relevantes elementos de aventura, que vão desde as históricas sequências cinemáticas que introduzem cada nível, aos diversos itens que teremos que apanhar para, mais adiante, combinar ou utilizar no momento certo. A jogabilidade é simples e intuitiva, facilitando a integração entre os momentos de movimento puro e os de maior acção.
O capítulo gráfico é sublime. Para além da já mencionada qualidade de animação, os cenários dos oito níveis que compõem este jogo são diversificados, representando selvas luxuriantes, cidades subterrâneas e edifícios e veículos futuristas, impregnados de um visual tech-noir que contribui para uma atmosfera opressiva. FLASHBACK é por isso, à semelhança do supracitado PRINCE OF PERSIA, um videojogo perpassado por uma enorme sensação de isolamento e solidão, amplificando o dramatismo da odisseia de um homem acossado por forças colossais. É também uma obra quase totalmente silenciosa, onde apenas paulatinamente surgem curtas faixas musicais para sublinhar uma sequência de acção ou a descoberta de um novo item. No final, fica apenas alguma amargura por ser um jogo algo curto, remanescendo contudo a vontade de o voltar a explorar vezes sem conta.
Será certamente difícil para os jogadores actuais compreender o assombro com que em 1994 foi recebido este FLASHBACK. As fenomenais sequências introdutórias e a animação sem par na época representaram um salto em frente na tecnologia vídeo lúdica, num dos melhores exemplos de fusão de uma abordagem cinematográfica, ao nível visual e narrativo, com os elementos clássicos do videojogo, nomeadamente a acção em plataformas. Num momento em que o debate sobre o mérito dos videojogos como forma de arte legítima está ao rubro, convém olhar para o passado e observar exemplos magistrais como este FLASHBACK, pleno de entretenimento puro, mas premonitoriamente consciente da sua dimensão artística.